Ambiente familiar de agressão pode aumentar problemas psiquiátricos.
Crescer em ambiente familiar de agressão pode aumentar problemas psiquiátricos na vida adulta
As chamadas "famílias disfuncionais" causam uma série de danos emocionais desde a infância
Por Especialista
A família é
quem cria, já diz o ditado. Mas muitas vezes o ambiente de criação pode
trazer problemas. Vide o personagem Félix (Matheus Solano), da novela
Amor à Vida (no ar às 21h na Rede Globo). O rapaz, que é homossexual,
sempre sofreu preconceito do pai César (Antônio Fagundes), que queria
que ele fosse o típico "machão". Por isso, ele nunca recebeu amor ou
atenção da figura paterna, se sentindo não amado. As falhas de caráter
que o personagem apresenta ao longo da trama também estão relacionadas
com a sua vivência em meio a uma família disfuncional, aquela que
transmite um ambiente egoísta, de desamor e pouco solidário aos filhos.
Os estudos e nossa experiência clínica mostram que as consequências das agressões verbais em crianças ou mesmo em adolescentes
são extremamente danosas e causam prejuízos em geral pelo resto da vida
dos indivíduos, independente de haver uma predisposição hereditária.
Deve-se lembrar que da
mesma forma que a criança está construindo seus músculos e ossos, ela
também está construindo também sua psiquê: isso envolve noções de autoestima, autoimagem, amor próprio entre outras funções psíquicas.
Para se ter uma ideia, existem três situações de violência ou agressão psicológica:
- Agressões verbais através de insultos, desvalorizações constantes, humilhações frente a outras pessoas - estas humilhações podem se referir a aspectos físicos ou intectuais, que gradativamente destroem a autoestima das crianças
- Situações de desprezo, indiferença e de abandono também podem ser entendidas como situações de agressão. A criança ignorada pelos pais apresenta um sentimento de abandono
- Existe uma terceira forma mais difícil de ser identificada - a chantagem emocional - na realidade atrás de uma "pseudo-doçura" há sempre uma grande cobrança e a colocação de um sentimento de culpa.
Que problemas psiquiátricos podem ser causados por essa violência?
Existem diversos transtornos, além dos depressivos, que podem ser desencadeados pelas agressões verbais:
- Perturbações intelectuais e da memória, como pesadelos, confusão, dificuldades de concentração e de memorização, autoimagem negativa, sentimento de inferioridade
- Perturbações relacionais: a vergonha, o isolamento (mesmo dos seus familiares e amigos mais próximos), a auto-culpabilização, a desvalorização de si, a falta de confiança e sentimentos de impotência
- Distúrbios de ansiedade: podem surgir quadros como hipervigilância, medo, fobias e ataques de pânico, perturbações do sono, desordens da alimentação e disfunções sexuais
- Aprendizagem do comportamento agressivo: estima-se que filhos de casais violentos têm 2 ou 4 vezes mais probabilidades de apresentarem problemas comportamentais
- Entre outros: há grande possibilidade de futuras dificuldades de adequação de comportamento nas relações de intimidade e maior dificuldade de integração social, além de sentimentos ambivalentes para com os pais.
O sentimento se experimenta
é o de uma violência real, porque isso esmaga a criança, que não
compreende adequadamente a razão da agressão. Ela ainda não tem a área
da lógica no cérebro suficientemente desenvolvida para lidar com esta
situação. Toda a agressão é vivida ou codificada principalmente sob a
ótica dos afetos. Isto faz com que se sinta rejeitada e não consiga
encontrar seu lugar na família, nem organizar seus pensamentos: sente-se
confusa, perdida, só.
Não consegue reagir. Como
agredir aqueles que ama? Então a agressão fica guardada dentro dela,
voltando-se contra ela própria, "internalizada". Está montada a "base"
da depressão.
A questão da família disfuncional
Temos um termo para
denominar os comportamentos familiares inadequados e chamamos de
famílias disfuncionais: aquelas que por suas alterações dinâmicas os
papéis familiares são confusos ou não definidos.
Devido a esse "caos"
familiar, basicamente não conseguem cumprir o papel de transmitir afeto,
valores éticos e morais. Antes disso, transmitem um ambiente cheio de
conflitos, individualista, pouco solidário e principalmente egoísta.
Neste caso os filhos preferem estar na rua ou em outros ambientes em
lugar do ambiente familiar.
Em diversos casos a
responsabilidade da desestruturação da família no mundo moderno é a
própria situação de "economia de mercado" que impõe um ritmo frenético
de trabalho às pessoas, que muitos familiares, mesmo tendo afeto uns
pelos outros, raramente se encontram. Alguns comportamentos pontuais que
podem também trazer problemas às crianças:
- Falta de demonstração de afeto e respeito
- Uso de álcool ou drogas ou medicamentos
- Duplas mensagens causando a ambivalência
- Críticas não necessariamente construtivas
- Rejeição aos amigos dos filhos
- Regras e normas rígidas em excesso
- Muitas cobranças e autoritarismo excessivo
- Conflitos e discussões familiares.
Uma família estável pode prevenir problemas psiquiátricos?
A família é um microsistema
social responsável pela transmissão de valores, crenças, ideias e
significados que estão presentes nas sociedades. Ela tem, portanto, uma
importância única na formação das criança que aprendem as diferentes
formas de existir, de construir suas relações sociais e a maneira como
veem o mundo.
As primeiras trocas
afetivas ocorrem ainda na fase intrauterina, mas o relacionamento
mãe-bebê será um dos períodos de maior importância para o
desenvolvimento afetivo do futuro adulto. Bebês que são privados deste
contato inicial com a mãe biológica carregarão um vazio afetivo pelo
resto de suas vidas.
Na criança pequena já
podemos observar a necessidade de afeto que possuem, manifestada em
diversos comportamentos. Se esta criança crescer em meio a uma família
equilibrada, ou como normalmente chamamos "famílias funcionais", onde a
educação é veiculada através do amor (não só comunicado, mas acima de
tudo vivenciado), as necessidades afetivas terão neste cenário familiar
uma grande chance de serem resolvidas. Esta criança estará mais
preparada para outras etapas do desenvolvimento onde o cenário se
ampliará: escola, amiguinhos, parentes, namoros, trabalhos.
Em contraponto, me vem à
memória um hábito praticado em muitas famílias de nosso país, mais comum
nas do interior. Lembro-me das conversas, dos "causos" contados à beira
do fogão de lenha na casa de minha avó no interior de Minas Gerais.
Histórias, lembranças, ideias, brincadeiras, emoções: o compartilhamento
de vivências num ambiente descontraído, espontâneo, onde ocorria
simultaneamente o descanso do dia de trabalho no campo e o
enriquecimento pessoal e coletivo na tradição oral da reafirmação de
valores e da unidade familiar. O mais gostoso era a conversa, cada
familiar chegando e já contando "as suas". O "jogar conversa fora" era
uma forma de lazer simples, e em sua simplicidade, extremamente rico,
pois essas conversas ficaram "dentro de nós" forjando nossos valores
para sempre, bem como as lembranças daqueles sabores e aromas. Tempos
bons, tempos de jantares em família.
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