DEPRESSÃO :PODE SER UMA BOA NOTÍCIA PARA TODOS NÓS.
O lado bom da depressão (trecho)
Ela não pode ser diagnosticada por exames de sangue, detectada em chapas de raios-x ou investigada em testes de resistência física. Mas, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, será em duas décadas, a doença mais comum do mundo. Saiba por que pesquisas recentes apontam que essa pode ser uam boa notícia para todos nós
por por Erica Sallum / Reportagem: André bernardo, Haidi Lambauer e Rita Loiola
Virgínia
de Ferrante: segundo a estudante, a depressão revelou-se um período
produtivo no qual descobriu que não queria ser atriz, mas diretora de
cinema
Crédito: Victor Affaro |
É o que defendem dois pesquisadores evolucionistas norte-americanos, em um estudo recente publicado no periódico Psychological Review no qual tentam desvendar o que chamam de “o paradoxo da depressão”. Guiados pela teoria da seleção natural de Charles Darwin (1809-1882), o psiquiatra J. Anderson Thomson, da University of Virginia, e o psicólogo Paul W. Andrews, da Virginia Commonwealth University, passaram anos tentando entender por que doenças mentais como a esquizofrenia afetam apenas de 1% a 2% da população mundial, enquanto a depressão já atinge mais de 20%. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde divulgadas em setembro de 2009, essa será, em duas décadas, a doença mais comum do planeta, à frente do câncer. Residiria aí o tal paradoxo: por que uma disfunção tão sofrida também é tão comum?
Segundo Darwin — ele próprio um notório deprimido, como explicitou em várias cartas ao longo da vida —, as espécies passam por um inexorável processo de adaptação em que características mais favoráveis a sua existência acabam sendo passadas de geração a geração. Trata-se de um afinadíssimo mecanismo de seleção e especialização que garante a permanência de traços que nos deixam mais aptos a encarar os obstáculos. Adeptos da psicologia evolucionista acreditam que a seleção natural não envolve apenas o corpo. As características da mente humana também seriam o resultado de uma longa jornada de depuração em nome da sobrevivência e reprodução. Se a teoria de Darwin é amplamente aceita até hoje no meio científico, argumentam Thomson e Andrews, então a depressão não pode ficar de fora. Em outras palavras, a depressão seria uma adaptação humana que chegou até nós com tamanha incidência não por acidente, mas porque precisamos dela como indivíduos.
De acordo com essa perspectiva, a depressão nada mais é do que uma resposta radical da mente para que encaremos nossos dilemas mais profundos. “Como a dor física, ela serve para sinalizar que existe um problema a ser resolvido”, afirma Thomson. “Seria maravilhoso se a gente não tivesse de sentir dor. Só que não é assim. A depressão, como a dor, é um mal necessário.” Esse mecanismo seria tão poderoso que nos faria parar e olhar na marra para dentro de nós mesmos, ainda que de forma muitas vezes caótica, nem sempre consciente e invariavelmente sofrida. Tamanha concentração da mente tem um preço, exigindo muitas vezes terríveis sacrifícios. Por causa dela, alguns param de comer, de trabalhar, de ver os amigos e de sentir prazer.
Integrante da mesma corrente de pesquisa que tenta mostrar que a doença não é apenas uma disfunção qualquer, Edward Hagen, psicólogo evolucionista da Washington State University, costuma compará-la a uma greve geral. “Por que os trabalhadores entram em greve? Porque não estão satisfeitos. Acontece o mesmo com nossa mente. Trata-se de um ultimato, um pedido de socorro para que mudemos o que está nos prejudicando.”
Uma crise de choro no meio de uma festa foi o alerta que fez a servidora pública Mariana Carpanezzi, 30, desabar. Sempre às voltas com o trabalho e o mestrado, achava que sua aparentemente inexplicável tristeza passaria com mais horas no escritório ou na universidade. O preconceito em relação à depressão a impedia de investigar melhor a razão daquele imenso vazio que sentia. Mas um dia veio o sinal vermelho. Teve de aceitar que estava doente. “Quando entendi o que tinha, foi libertador”, diz ela, que penou, porém conseguiu “ajustar os parafusos da vida”. Procurou um psiquiatra, que lhe receitou remédios — outro preconceito que teve de superar para conseguir dar a volta por cima. Associou a psiquiatria com psicanálise duas vezes por semana, o que foi fundamental para dar sustentação ao que classifica como um processo radical de mudança que perdura até hoje. Com a ajuda do tratamento, percebeu, por exemplo, qual o espaço que o trabalho deve ocupar em sua agenda e constatou que não é possível se sentir plena o tempo todo. “É claro que a depressão em si não é uma coisa boa, mas o modo como lidamos com ela pode ser algo benéfico. Acho que reli a vida de uma maneira positiva e me tornei uma pessoa melhor depois disso tudo.”
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