Relacionamento
Armadilhas do desprezo
Orlandeli/Editoria de Arte
|
|
Fabiano Ferreira
Preste
atenção ao seu redor. Por acaso você convive com alguma pessoa que não
pensa duas vezes em desprezar os demais ou talvez você mesmo? Com
certeza a resposta será positiva. O que não faltam são pessoas ao nosso
redor que parecem fazer vista grossa quando passamos, que não abrem a
boca para dizer um “bom-dia” e muito menos levam em consideração que se
hoje não precisam de você, amanhã poderão estar na sua frente buscando
ajuda. Infelizmente, muita gente ainda não percebeu que o desprezo é uma
chaga social, que só destrói as relações e contribui para os problemas
gerados pela baixa auto-estima. Pessoas que se julgam superiores às
demais, seja pela intelectualidade ou posição financeira, se acham no
direito de torcer o nariz para quem está “abaixo” delas e, o que é pior,
desconsiderar que todos temos direitos e deveres, além de valores
únicos. Um dos problemas que circundam o deprezo é a confusão
que se faz em relação a este comportamento. Segundo a terapeuta
neurolingüística Marcelle Vecchi, de Rio Preto, o desprezo chega a ser
confundido com timidez e fobia social, que nada mais são que a
dificuldade excessiva de interação com outras pessoas. Mas a história
não é bem essa. Desprezar os outros pode ser entendido quando a pessoa:
está com seu foco muito concentrado nela mesma ou nos seus problemas;
está com medo da interação por insegurança (não sabe ao certo como
proceder); está numa fase muito egoísta (não se importa muito com outras
pessoas); está com pavor social; ou é muito tímida e introspectiva
(vive mais no seu mundo particular). “Ocorre muito de a pessoa desprezar
e não saber disso, pois na verdade enxerga esse seu comportamento como
uma autodefesa, principalmente nos casos da fobia social e da timidez.
Elas negam esse comportamento de desprezo, pois para elas foi só um ato
necessário naquele momento. Após algum tempo, podem perceber que
desprezaram e se culpam internamente”, diz Marcelle. Interagir é precisoEm
qualquer tipo de interação social o indicado é agir com transparência. A
terapeuta dá uma dica de como proceder quando somos desprezados.
“Devemos deixar nosso orgulho de lado, nos aproximarmos dessa pessoa e
dizer: "Fulano, nesse momento percebi que você me desprezou, sei que
isso pode estar acontecendo sem que você perceba, por isso resolvi falar
com você às claras. Se eu puder ajudá-lo de alguma forma estou à sua
disposição", sugere. Se agirmos com nosso orgulho ferido, provavelmente,
a conversa terá um tom de crítica ou agressividade, e ninguém ganhará
com isso. A pessoa que é desprezada e guarda tudo para ela, remoendo o
que aconteceu, tem grandes chances de ser afetada negativamente na sua
auto-estima porque leva para o lado de se sentir diminuída, acreditando
que o problema está com ela. E pode cada vez mais evitar situações por
medo da rejeição. Mas muitas vezes o problema não está com quem é
desprezado e sim com quem despreza.
Sem desprezo:
::
Pratique o ato de dar importância às pessoas, lembre-se que podemos
aprender com qualquer um; evite selecionar pessoas, pois todas são
importantes :: Lembre-se que os seus problemas são do
mesmo tamanho dos de qualquer um, só parecem maiores porque são seus,
compartilhe-os, você pode encontrar soluções que não havia pensado ::
Procure agir com transparência, mesmo que for para não interagir -
"Desculpe-me, mas agora não estou com vontade de conversar, assim que eu
melhorar te procuro" :: No caso da timidez - lembre-se
que todos somos do mesmo tamanho, ninguém é melhor ou pior, não tenha
medo da opinião dos outros, você também tem muito a contribuir
Orlandeli/Editoria de Arte
|
|
Quem despreza os outros na verdade se ‘auto-rejeita’ O
desprezo é um comportamento de muitas faces. Ele pode comprometer a
imagem que os outros têm a respeito de nós, como também dificultar as
relações. A psicóloga clínica Vera Márcia Paráboli Milanesi,
pós-doutorada pela Universidade de São Paulo, falou ao Diário sobre este
problema:
Diário da Região - O que se deve entender por desprezo? As pessoas confundem o conceito? Vera Márcia Paráboli Milanesi -
Desprezo é um sentimento de desdém, falta de estima ou de consideração
pelo outro, que se manifesta por comportamentos de desvalorização e
rejeição. Quem despreza não leva em consideração gostos, personalidade,
necessidades e sentimentos do outro. Quem despreza não quer enxergar o
outro como um ser humano com os mesmos direitos e necessidades.
Diário - O que leva uma pessoa a adotar o comportamento de desprezar os outros? Vera Márcia -
Na verdade o desprezo pelo outro revela um desequilíbrio emocional,
pois a atitude saudável para todo ser humano é reconhecer o seu próprio
valor e também os valores do outro com quem se relaciona. Somente esse
reconhecimento possibilita o desenvolvimento de uma relação
gratificante, em que há verdadeira troca e crescimento. Geralmente quem
despreza tem problemas com sua auto-estima e não consegue se aceitar
verdadeiramente e essa auto-rejeição acaba se transformando em rejeição
pelos outros. Isso pode vir de longa data. Há situações em que a pessoa
já se sentiu um dia extremamente desprezada e sofreu muito por isso.
Para tentar minimizar a dor causada por esse desprezo, acabou,
consciente ou inconscientemente, adotando esse comportamento com relação
aos demais. Cria-se, assim, de forma inconsciente, a seguinte linha de
raciocínio: “Devo desprezar antes de ser desprezado”, ou “devo desprezar
para não ser desprezado”. Tudo isso pode se dar no nível inconsciente e
é uma defesa contra a dor de se sentir desvalorizado. Infelizmente,
esse tipo de comportamento reativo não permite que o indivíduo atinja
seu verdadeiro objetivo - obter consideração e afeto do outro - e seu
desprezo gera mais frieza e desconforto em suas relações atuais. Cria-se
aí uma cadeia sem fim de desencontros e sofrimento psíquico.
Diário - Há pessoas que sempre desprezam, mas não percebem que agem assim? O que acontece nestes casos? Vera Márcia - Sim,
pessoas que não conseguem elaborar seus sentimentos, que não se
conhecem suficientemente, podem achar que seu comportamento é
absolutamente normal e saudável. Podem, inconscientemente, estar negando
seu comportamento e a causa geradora do mesmo. Por exemplo: um desprezo
ocorrido na infância por parte de um dos pais. Para tentar minimizar ou
neutralizar esse sofrimento, busca desprezar antes de ser desprezado,
mas o que encontra é, mais uma vez, a dor e a insatisfação.
Diário - Como lidar com o desprezo? Quando nos sentimos desprezados, o que fazer para que não sejamos afetados? Vera Márcia - Quem
se sente desprezado deve, em primeiro lugar, fazer uma auto-análise
para ver se seu sentimento está compatível com o comportamento dos
outros ou se é fruto de uma carência que precisa ser cuidada, muitas
vezes com uma ajuda profissional. Se a conclusão for que a atitude está
compatível com o desprezo real do outro, é necessário tentar entender
que o desprezo, na verdade, demonstra uma falta de equilíbrio de quem
está desprezando. Importantíssimo perceber que embora à primeira vista
pareça que aquele que despreza está se valorizando excessivamente, é o
inverso que está acontecendo, pois o desprezo significa falta de
auto-estima, está gerando uma necessidade patológica de diminuir a
importância dos outros. Quem despreza já se sentiu um dia tão pequeno e
sem importância que para ir contra esse sentimento tem de provar que o
outro também não é importante. Quem é desprezado deve lembrar-se, então,
do velho ditado: “Quem desdenha quer comprar”, para saber que, de
alguma forma, possui qualidades ou características que o outro valoriza,
mas que, por medo de se sentir desvalorizado, não consegue admitir e
muito menos expressar. A partir dessa compreensão, o comportamento será o
mais natural possível.
Diário - Como agir com quem nos despreza? Vera Márcia -
No nível das relações humanas, devemos sempre tentar “agir” e não
“reagir” aos comportamentos dos outros. Assim, nossas ações devem ser
pautadas por nossos desejos e necessidades, e não devem ser nunca
reações à atitude de desprezo do outro. A partir da compreensão do
funcionamento mental do outro, percebendo que ele, na verdade “despreza o
que quer comprar”, podemos “agir” com naturalidade e não “reagir” ao
seu desprezo. Para entendermos bem a diferença entre ação e reação,
podemos imaginar a seguinte situação: se eu preciso do favor de alguém e
não consigo solicitá-lo por ter sentido que essa pessoa me desprezou,
estou apenas reagindo ao seu comportamento. Se, ao contrário, consigo
ver que o seu desprezo é um problema dele e não meu, consigo solicitar
meu favor e aumentar a possibilidade de atingir meu objetivo.
Diário - Que influência o desprezo pode ter na auto-estima das pessoas, no seu poder de interação com os demais? Vera Márcia - Todo
ser humano precisa ser respeitado e valorizado como um ser único. O
desprezo, portanto, vai de encontro a essa necessidade humana e fere a
auto-estima. Desprezo gera desprezo: quem se sente desprezado terá uma
tendência a desprezar os outros quando esse sentimento não é bem
elaborado e assimilado.
Diário - Que dicas você dá para que evitemos o desprezo? Vera Márcia -
Para não agir com desprezo, a pessoa tem de, em primeiro lugar, ser
capaz de reconhecer-se como um ser humano único e diferente de todos os
demais. Conhecer suas qualidades e valorizá-las para poder amar-se como
realmente é. Somente quando consegue se valorizar poderá também
valorizar o outro como um ser único, e, embora diferente, também
merecedor de consideração e respeito. Essa é a atitude saudável esperada
de todo ser humano, mas infelizmente nem todos conseguem trabalhar seus
sentimentos para agir assim.
|
|
Comentários